Misturar ingredientes que aparentemente não combinam, como parmesão e frutos do mar ou quiabo e camarão, faz parte da rotina de vários chefs. Mas por que casamentos assim nem sempre têm final feliz quando resolvemos propor novos “modos de fazer” em casa? Isso acontece basicamente porque não basta apenas misturar e pronto. É necessário casar os sabores, combiná-los, mesmo quando há uma aparente desarmonia. Enfim, para entender o que torna uma misturinha boa é preciso acompanhar o passo a passo da criação de um prato pelas mãos de quem entende do assunto: os grandes chefs de cozinha.
Como as ideias brotam
A chef Roberta Sudbrack, que elege um ingrediente por ano para compor suas receitas. “Já teve o ano do chuchu, da abóbora, do quiabo, do maxixe e da banana”, conta Roberta, que alcançou três estrelas pelo Guia Quatro Rodas no seu restaurante. “Busco resgatar a memória, os sabores típicos e a produção artesanal. E utilizo sempre produtos brasileiros pouco valorizados”, diz. E, na criação de sua obra, Roberta incorpora, ainda, técnicas e outras matérias-primas muito valorizadas. Segundo a chef, associar ingredientes de “baixa autoestima” com os mais cotados é um bom artifício de criação. Seu prato Quiabo Defumado em Camarão Semicozido é um exemplo. O quiabo foi delicadamente defumado e servido com camarão, que é muito apreciado pelos brasileiros.
Transgredir, por que não?
Para saber se aquela dica do chef famoso é legal mesmo, não tem jeito: é preciso testar na sua cozinha. E, mesmo assim, desconfie de algumas regras. Elas mudam constantemente… Por exemplo: durante muito tempo a associação de parmesão com frutos do mar foi considerada inapropriada, principalmente na cultura tradicional italiana. Pois bem: alguns chefs teimosos começaram a fazer, por pura birra, pratos com esses dois ingredientes. E não é que eles conseguiram harmonizá-los maravilhosamente? A invenção virou moda e a associação não tardou a aparecer nos cardápios de restaurantes estrelados: camarão com caldo de parmesão, polvo com lascas de pecorino…
Por isso, mais uma boa indicação na hora de criar: conserve seu espírito crítico e também o transgressor. Uma pitada de ousadia é sempre bem-vinda e pode apimentar uma surpresa inesperada. Mas mantenha um pequeno cuidado: se ousar em criações inusitadas, faça um teste antes de servir para seus convidados.
Inspiração em toda parte
Os chefs franceses Michel e Sébastien Bras, que possuem três estrelas pelo guia Michelin, buscaram inspiração olhando pela janela de seu restaurante em Aubrac, na região da Auvergne, França. Num dia de sol e chuva, pai e filho olhavam para os raios de luz solar que penetravam as nuvens e desenhavam no horizonte uma série de feixes iluminados, causando um intenso efeito de sombra e luz. Surgiu daí a ideia de criar um prato que valorizasse o contraste de cores. Foi assim que nasceu o célebre Tamboril com Azeite de Azeitonas Pretas. “O branco perolado da carne do peixe foi sutilmente aliado com o negro das azeitonas, criando o efeito rajado desejado”, comentou Sébastien Bras durante o Festival de la Haute Cuisine, realizado em Paris.
Esse é um ótimo exemplo da busca incessante dos chefs de cozinha por estar sempre inovando, para surpreender e intrigar quem vai saborear suas criações. Mas atenção: mesmo um resultado inovador pode se transformar com o correr do tempo em algo ultrapassado! Uma ideia mirabolante hoje pode virar o clássico brega de amanhã. É o caso do nosso estrogonofe.
O passado como guia
Atualmente, a moda na gastronomia é buscar nas suas raízes uma fonte de inspiração. Por causa disso, muitos chefs têm procurado receitas esquecidas nas gavetas de suas avós. Elas se tornam, assim, fontes de lembranças gustativas.
A chef gaúcha Helena Rizzo, do restaurante Maní, em São Paulo, se inspirou em suas lembranças de infância para criar o prato intitulado Rosbife em Crosta de Lapsang Souchong Defumado com Carvão Vegetal e Salada Morna de Batatas. O rosbife cozido a baixa temperatura em chá defumado lembra o sabor do churrasco saboreado entre a família do Rio Grande do Sul. As batatas mornas remetem à salada russa que acompanhava a carne. Ou seja, um tiro certo para quem quiser impressionar é, também, recolher as receitas de família. E, a partir daí, criar o próprio livro receitas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário